Hoje tenho que me apresentar ao trabalho. Há qualquer coisa de hilariante no meio disto tudo. Trabalhei um ano inteiro e tive direito a seis dias de férias. Olho para mim e não me reconheço, uma passividade aparente e uma raiva contida. Até quando?
Percorro a memória deste ano, analiso factos, meço palavras e resolvo voar.
Estou agora sentada na copa da mais alta árvore deste meu pequeno jardim, balanço os pés descalços e olho-me lá em baixo.
Estou parada em frente ao carro. Mentalmente recapitulo tudo o que tenho de fazer. Volto a abrir a pasta, parece que não me esqueço de nada. Entro no carro, rodo a chave e maquinalmente ligo o rádio. Arranco.
Lá em cima vou seguindo o carro que se afasta e a paz invade-me. Deixo-me levar pelos afectos, pelos sonhos e esboço um sorriso. Os rostos dos que amo vão surgindo, sentam-se a meu lado preenchendo-me a soidão. Nada mais existe para além desta tranquilidade feita de afectos.
Estacionei, em Agosto é muito fácil arranjar lugar. Toco a campaínha. Não gosto de usar a chave. Troco algumas palavras com quem me abre a porta e dirijo-me para o gabinete. Recados e mais recados. Telefone. Correspondência aberta. Olho o relógio, não quero chegar atrasada à reunião. Saio.
Optei por ficar sentada no beiral do prédio mais estranho do bairro. Todo ele está coberto por inscrições chinesas e a porta de entrada está ladeada por dois dragões de cor ocre. Um exemplo menor de um prédio do Gaudi. Vejo-me sair, passo apressado, rosto crispado.
Uma centena de metros me separa do escritório onde vou ter a reunião. Volto a rever os factos, subo no elevador, entro e enquanto aguardo vou olhando os quadros. Não me fixo em nenhum.
Espero por mim cá fora. Junto a mim pombas, ao longe os telhados desta cidade que ainda amo.
Saio. Respiro fundo e faço uma pausa. Estranho ver-me sentada no alto de um prédio mas não questiono. Falta pouco tempo para o exame. Já o adiei três vezes. Abro a carteira e procuro os comprimidos que devo tomar. Não me recordo quanto tempo antes e resolvo tomá-los já.
Não quero fazer o exame. Queria ir até ao rio. Olho para baixo, vejo-me entrar na pastelaria da esquina. Vou esperar, pacientemente,...
2 comentários:
e abres a porta, voas, voltas, sobes, respiras, enfim...cascata e o lago ao fundo espera os teus pés descalços...
o vento enrola-te o cabelo e as espirais de fumo do fogo do crescente fogo que emana de ti.
beijinho e muita ternura :)
vou seguir-te as letras
ac
Grato pela visita à minha "visita" e pelo comentário.
Nos meus débeis ensaios de voo, escolho também as árvores e, quando sou bafejado pela sorte de nelas poisar, escuto os seus segredos e neles dissolvo os meus.
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